Em busca de um Norte

Esses dias me disseram que eu deveria ser menos alucinado, que eu deveria definir um norte em minha existência, pois eu andava muito desnorteado nesses últimos todos os anos de minha vida.

Pensei profundamente nessa questão e cheguei à conclusão de que talvez encontrar um norte não fosse tão má idéia. Pode ser até uma não tão boa idéia, o que semanticamente dá na mesma.

Pus-me então imediatamente em busca de uma bússola. Encontraria meu norte nem que tivesse que percorrer todos os pontos cardeais e colaterais, nem que tivesse que subir na montanha mais alta ou descer ao mais profundo dos abismos. Sinceramente, eu esperava encontrar minha bússola em algum estabelecimento próximo de minha casa, de preferência bem próximo, pois já era tarde e eu não queria perder meu programa favorito, "O incrível mundo do vácuo absoluto" (1) .

Para a minha infelicidade, eu não sabia por onde começar, então, a princípio, não comecei, coisa que pouco depois tratei de não continuar (2). Perguntei então a várias pessoas que passavam na rua onde eu poderia comprar uma bússola. A absoluta maioria nem sequer parou, alguns pararam, olharam-me com cara de "louco" e foram embora sem responder à minha questão.

Ficou-me evidente que a maioria das pessoas não nutre grande afeição pela educação e pela cortesia, mas não deixei que tal carência de valores sociais me impedisse de atingir meu orientado objetivo.

Muito tempo depois consegui obter uma resposta de uma educada velhinha, que não perdeu a oportunidade de me contar suas histórias de quando foi bandeirante em sua juventude. Ouvi. Afinal, o que eram duas horas e quarenta e sete minutos para quem não teve um norte em toda a sua vida?

Como já era quase meia-noite, resolvi ir para casa dormir. Pela manhã sairia novamente em busca de minha bússola. Lamentei mesmo foi ter perdido "O incrível mundo do vácuo absoluto".

Pela manhã saí em direção ao sul, eu acho (3), em busca do meu norte. Havia recebido da encantadora velhinha a informação de que poderia encontrar minha bússola em qualquer Joalheria de qualquer shopping center.

Tal informação me deixou bastante admirado pois quem, eu me perguntei, quem poderia imaginar que se vende outras coisas a não ser Jóias, nas Joalherias? Eu imaginaria! - Eu me auto-respondi a mim mesmo de forma clara e definitiva - Pois de outra forma, somente venderiam drogas nas drogarias, bombons nas bombonières e tintas nas tinturarias.

Achei plausível. Dirigi-me ao primeiro shopping center que encontrei e à primeira Joalheria que lá dentro descobri. Havia finalmente encontrado o esconderijo das bússolas. Após a euforia inicial (4), novamente a descrença e desânimo se abateram em minha mente. Em cima de uma estante de vidro, em meio a dezenas de outros objetos em busca de um dono, havia uma dúzia de bússolas, desde as pequenas e tímidas, até as grandes e cheias de penduricalhos.

Entretanto, o que me desiludiu foi o fato de que cada uma apontava para uma direção diferente. Não havia entre aquelas bússolas sequer duas que concordassem em seus instintos magnéticos.

Pobres bússolas, nem mesmo elas tinham um norte. Lamentável.

Lembrei-me então de uma das histórias da velha bandeirante, na qual ela havia se perdido em uma floresta lá nos Estados Unidos em um desses encontros internacionais de bandeirantes. Disse-me ela que descobriu o caminho de volta simplesmente vendo onde os musgos cresciam, eles se acumulam sempre no lado norte das árvores. Pelo menos por lá, já que por aqui parece-me que há musgos por todos os lados das árvores, o que me faz crer que nem nossos musgos têm seu norte.

A desolação sobreveio. Sentei-me em um banco da praça e fiquei ali, olhando para o chão, sentindo pena de mim mesmo e me torturando com pensamentos de baixa auto-estima por ter falhado em minha tão importante missão.

Não aguentei mais a pressão e gritei:
- Macacos me mordam, pelas barbas do profetas e por todas as outras interjeições de espanto e indignação, onde raios fica o norte?????????

Nisso, um mendigo que estava deitado no banco ao lado, olhou para mim e com uma cara de quem falava a coisa mais óbvia do mundo disse:
- Como? Você não sabe? Nunca viu um livro de geografia? Todo mundo sabe que o norte é para cima!

Olhei para cima e "tóim", caí em mim. Procurei a resposta em todos os lugares e ela estava ali, do meu lado, toda esfarrapada em cima de um banco de praça. Meu norte era o céu, as nuvens, a luz do dia, enfim, a liberdade de olhar para outro lugar que não fosse o chão. Simplesmente o que eu já sabia e havia esquecido quando disseram que não era bom o suficiente. Esqueci meu norte enquanto tentava encontrar o norte dos outros.

Voltei para a casa, olhando para as nuvens pintadas de pôr-do-sol e assisti, mais feliz do que nunca, a sete episódios consecutivos de "O incrível mundo do vácuo absoluto".


Lição da história (lição sim, pois quem sou eu para ficar aqui ensinando moral para os outros): Nunca subestime a sabedoria que há em uma máquina de refrigerantes quando ela lhe diz: "Insira a cédula com a face para cima".


(1) Aparentemente ninguém mais, além de mim, conhece esse programa, o que me faz presumir que ele é somente uma alucinação fruto de minha imaginação. Pensando bem, ele pode também ser somente uma imaginação fruto de minha alucinação. Mas o que realmente interessa é que é muito bom e começa religiosamente lá pelas vinte e uma horas em ponto, mais ou menos.

(2) Tratei de não continuar a não começar, ou seja, descontinuar o não-começamento daquilo que eu deveria deixar de descomeçar.

(3) Digo "eu acho", porque se tivesse certeza de que era o sul, saberia com igual certeza onde ficava o norte, do outro lado, como qualquer criança da quarta série do ensino fundamental muito bem sabe (e como eu viria a descobrir muitos anos após a quarta série do ensino fundamental). Restaria somenta a dúvida de onde ficava o leste e o oeste, mas parece que esses pontos cardeais não se comparam ao norte quando se fala em promover a felicidade humana na Terra.

(4) Coisa que tratei de controlar devidamente com a minha medicação.

4 comentários

Unknown em 28 de novembro de 2010 às 16:15

ADOOOOOOOOOOOOOOOOOOOREI, Rabbit... criatividade parou aí, quanto a reflexão do norte foi mto bem conceituada, e adorei tmb a da máquina de refrigerantes, hehehehe... te adoro, sabes disso! ;)

Unknown em 29 de novembro de 2010 às 07:28

muito bom o blog, parabens.

Anônimo em 29 de novembro de 2010 às 07:47

Muito interessante a sua busca pelo norte. E muito criativo ao fazer as citações. ABS

Eliezer em 29 de novembro de 2010 às 14:27

mt legal o blog estou seguindo espero que retribuia abcss


http://planetahuumor.blogspot.com/

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