Interpretar e ouvir bem, é um dom!

Hoje uma amiga aconselhou-me a ouvir um cd do ''som das baleias'' para relaxar. Eu lhe respondi:
- Som das baleias? Som das baleias? Por tudo o que é sagrado, prefiro que cravem lascas de bambu embaixo das minhas unhas, prefiro antes uma sessão de eletro-choque na língua a escutar tão medonhos acordes. Eu DETESTO o som das baleias!
Ela me olhou como se eu tivesse chutado a santa e disse:
- Você é um monstro insensível! Como pode detestar um animal tão lindo e maravilhoso! Você deveria estar envergonhado de dizer algo assim!

Eu entendo a revolta dela, mas o que ela não sabe, pois não me deixou dizer, é que não detesto as baleias. Pelo contrário, eu amo todos os animais, com exceção dos coelhos, pelo trauma, e das cobras que me cobrem de pavor, embora nem a eles reserve meu ódio, desde que eles estejam lá e eu aqui. Ou eles aqui e eu lá. Também vale.
O que eu detesto (e não sei porque detesto, mas, definitivamente, detesto) é o ''som'' das baleias e não o animal em si. E apesar da dificuldade em desvencilhar um do outro, algumas pessoas tentam tal proeza com certos animais. Não é raro encontrar-se cães mudos porque seus donos, não se agradando de seus latidos, operaram-lhes as gargantas. Sem uma boa razão, a isto sim, eu chamaria de insensibilidade.

Acredito que, via de regra, as pessoas sabem pouco a respeito das criaturas da natureza e suas características. Em virtude desse desconhecimento muitas lendas perduram e algumas injustiças são cometidas. Um exemplo clássico é o dos orangotangos, usualmente vistos somente como micos superdesenvolvidos, e que no entanto, possuem uma inteligência equivalente à de uma criança de 5 anos, o que os deixa na frente de muita gente famosa.
Mas há mais fatos interessantes:
- Os gafanhotos ouvem pelos joelhos;
- Os morcegos têm uma visão muito boa, sim senhor;
- Os escorpiões não se aguilhoam na cabeça ao serem aprisionados em um círculo de fogo;
- As borboletas têm o sentido do paladar nos pés...

{Aqui abro parênteses, pois uma imagem terrível se formou em minha mente. Vislumbrei a nós, humanos, com papilas gustativas na planta dos pés, andando alegremente, provando dos sabores do mundo até que, para nossa desgraça, pisamos em uma caca de cachorro... É melhor eu controlar a minha imaginação e voltar ao texto};

- Os gatos, além de ouvidos poderosos, também possuem células auditivas nos olhos;
- As formigas cortadeiras não se alimentam das folhas que cortam, mas dos fungos que crescem em suas tocas e que se nutrem dessas folhas;
- As cobras são surdas;
E outras mais...

Em relação à surdez que acomete as cobras, o que realmente acontece nas apresentações dos encantadores de serpente é que essas criaturas peçonhentas concentram-se profundamente no movimento rítmico da flauta e não no som dela. Em todo caso, se fosse eu o tal encantador, teria sempre a flauta em uma mão e um porrete na outra.


PS: Algumas pessoas perguntaram-me sobre a possibilidade de incluir, em seus respectivos sites, um ''link'' para essa página. Com certeza! Eu lhes respondo. Sintam-se livres e à vontade para lincar esse blog onde lhes for mais agradável e conveniente. A casa agradece.

O Perigo


O perigo, em linhas gerais, é um sujeito muito misterioso. De certa forma ele é bem misterioso em linhas específicas também.

Ele sempre está onde ninguém espera que esteja. Pode-se dizer que ele é um grande intrometido, um penetra desordeiro, um terrorista disfarçado de criancinha.

É bem verdade que o perigo muitas vezes está onde todo mundo espera que esteja, e ainda assim existem aqueles que vão lá dar uma encarada nele e, de vez em quando, quebrar a cara.

Esses lugares, onde o perigo costuma trabalhar sem disfarce, freqüentemente estão bem sinalizados com uma plaquinha medonha, quase sempre com o desenho de uma caveira e com uma frase ameaçadora do tipo "RISCO DE MORTE".

Porém, aos mais desavisados, o perigo ainda tenta abocanhar colocando placas de "RISCO DE VIDA" nos lugares onde trabalha, fazendo com que indivíduos sedentos por mais vida (e com essa crise toda quem resistiria se arriscar a ganhar um pouco mais de vida?) acabem por encontrar a morte, o que é o fim da picada (mesmo que a morte não seja por picada).

Sabendo dessas coisas e temendo aquelas outras tantas que minha ignorância eficientemente abrange, passei a estudar o perigo na tentativa de evitar o perigo de encontrar o perigo.

Infelizmente ele parece estar em todos os lugares. Esses dias, enquanto caminhava, ouvi alguém dizer "é aí que mora o perigo!". A conversa não era comigo e somente ouvi aquela frase no ar, mas não perdi tempo e tratei logo de anotar corretamente o endereço do perigo e de traçar uma rota mais segura.

Como já ouvi muitas pessoas dizendo a mesma frase em diversos lugares, acredito que o perigo seja, antes de tudo, muito rico, já que parece ter residências espalhadas por esse mundo afora.

Entretanto, apesar de todo o perigo, cheguei à conclusão de que o melhor a se fazer é não pensar muito no perigo, só o suficiente para não esbarrar nele, pois caso se pense demais, de forma obsessiva ou maníaca compulsiva, corre-se o risco de se enlouquecer abrupta e absolutamente. E isso, por si só, já é um grande perigo.

Sem noção


Andei sem noção alguma. Levantei da cama e em poucos passos acertei em cheio a parede. Acordei sem noção de distância.

O cão que se rasgava em latidos na casa ao lado, presumi que sofria de Latinismo. Pensei sem noção de significado.

Vi um padre na rua, achei que precisava de uma benção. Pedi uma unção, uma das grandes, que me curasse da falta de noção, pedi-lhe uma unção máxima. Pedi-lhe a extrema unção. Agi sem noção religiosa.

Faminto, entrei sem perceber em um restaurante caríssimo, entrei no primeiro que vi, e comi como um rei. Comi sem noção de preço.

E no chique restaurante paguei o pato. Paguei também todos os outros animais e vegetais que devorei.Paguei sem noção de valor.

Trabalhei muitas horas extras para saldar minha dívida. Trabalhei sem noção de tempo.

Sem noção do que fazia, fui viajar. Viajei sem noção de destino.

Escalei montanhas, sem noção da altura. Atravessei rios repletos de crocodilos, sem noção do perigo. Tentei voltar para casa, mas não tinha noção de onde morava.

Caminhei pela cidade, sem noção do cansaço. Tentei entrar em um táxi que vi, mas era um táxi de brinquedo. Agi sem noção de tamanho.

Finalmente encontrei minha casa. Demorei duas horas para colocar a chave na porta. Havia perdido a noção de profundidade.

Caí na cama e a ocupei totalmente, sem noção de espaço. Dormi por dias, sem noção do meu sono.

Acordei e escrevi esse texto. Sem noção de ridículo.

O PREÇO DA LIBERDADE

Foi tão estranho que até mesmo o relógio parou naquele dia... Não foi um estranhamento de surpresa, ao menos não deveria ser. Naquele dia, talvez, ela deixara-se cortar em definitivo suas asas, ela que conhecera a liberdade e já lhe considerava íntima... Permitira então, num ímpeto, que suas asas fossem destruídas já que por dentro se encontrava um caos. O que ela sabia, no fundo, é que cortar-lhes as asas não faria dela prisioneira, visto que, ainda assim haveria saída. Ela encontraria asas na imaginação e mesmo fisicamente acharia uma forma de voar sem precisar sair do chão. Mesmo assim chorava a dor das asas partidoas, pois preferiu este sacrifício ao da própria alma. Custaria sim a cicatrização, e neste meio tempo saberia o preço que havia sido pago, porém jamais sairia da memória o bater de asas, os vôos em bando e a graça de riscar o céu sem hora para voltar. Isso nem mesmo ela, se quisesse, poderia destruir. E como não queria, pois no íntimo era sua lembrança mais valiosa, ela sorria em meio a dor... Em meio ao sacrifício de estar preso por vontade.



*Créditos da imagem: http://sitedepoesias.com/poesias/35662
 
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