Esqueço, portanto acho que existo.

Olhar para trás é um exercício precioso. Não digo somente no sentido literal, como quando suspeitamos que algum meliante nos seca com olhos predatórios. Refiro-me a um sentido menos rigoroso, como olhar para os anos passados.

Naturalmente que olhar para tais períodos deve ser feito com um objetivo certo, pois somente recordar, sem nenhuma intenção maior do que somente recordar, pode ser bastante pernicioso, principalmente quando tendências melancólicas mais profundas habitam o indivíduo rememoriante.

O grande segredo que existe nesse expediente é, então, a comparação. Sim, recordar não para se entorpecer com os momentos de triunfo ou se descabelar com o que de ruim se viveu, mas para simples e puramente pesar os dias de hoje com os de ontem e, se o resultado for negativo na escala de contínua melhoria, buscar detectar onde foi perdida a correta trilha, onde nos separamos de nosso devido destino, e tentar novamente levar nossos passos ao correto rumo, por onde todas as alegrias e as mais profundas e duradouras emoções possam novamente fluir por nossos atrofiados sentidos e onde todas as luzes dos eternos astros repousantes em nossa celeste abóbada venham nos mergulhar em um banho mágico de euforia e glória, num contínuo e inebriante pulsar de cores e sensações.

Sim, tudo com bastante lirismo mesmo, porque se não é para se buscar viver com lirismo então que nem se perca tempo, que se vá trabalhar por um dólar ao dia em uma fábrica de quinquilharias na China.

Recordo-me de um presidente brasileiro, não sei se o Figueiredo, o Sarney ou alguma outra entidade das sombras (a verdade é que a ordem das pragas não altera o impacto ambiental), que disse, em seu derradeiro momento de gerência governamental, que nós sentiríamos saudades de sua pessoa (aqui ponho a palavra "pessoa", já que procuro sempre dar esse mínimo status a qualquer ser humano, mesmo que ele faça de tudo o que é possível para desmerecê-lo). Obviamente que ri do que me pareceu somente uma presidencial demência.

Profética demência.

O estado geral das coisas realmente piorou em muitos sentidos, principalmente para quem sentiu. Para quem não sentiu provavelmente não piorou, ou, se piorou, não foi o suficiente para sentir, o que, de certa forma, foi de brutal insensibilidade, visto que a maioria sentiu. Ou não.

Mas é esse labirinto de lembranças e profecias óbvias (visto serem os profetas os próprios promovedores das desgraças da coletividade) que deveria nos servir de fundamento para futuras escolhas, tanto no nível pessoal quanto no coletivo, para que o nosso coletivo não fique muito pessoal e para que o pessoal não bagunce o nosso coletivo.

Mas de lembrança, coletivo e pessoal eu só sei que o coletivo de lembrança não está em minha memória, que a lembrança do pessoal é muito coletiva e que a memória coletiva é sempre muito pessoal. Portanto façam o favor de esquecer tudo o que eu escrevi aqui, caso não seja um pedido muito pessoal querer que essas lembranças coletivas saiam de suas memórias.

Comentários

Seu comentário é muito bem vindo, só queremos que você não ofenda ninguem com comentários racistas, homofóbicos, e evite o maximo de palavrões. Você pode divulgar seu Blog/Site nos comentários, afinal é vocês que nos sustentam.

 
▲ Topo