O dia em que a casa quase caiu

AVISO: Se você não tem imaginação ou senso de humor, talvez você também não tenha bom gosto e se considera um a mais acima de tudo e de todos.. aquele que é o dono da razão e que decide se uma coisa é verdadeira ou não só por aparências... não leia esse texto e muito menos o comente!



Estava eu a me lembrar dessas minhas férias que tive agora em janeiro, isso porque, sumi do blog devido a elas e nem comentei nada do que me passou nelas... pois bem!

Eu estava proporcionando uma reestruturação organizacional em minha residência, quando o meu criado-mudo - que não é meu criado e que tampouco é mudo - perguntou-me:
- Alex, o que você vai fazer com aquelas tralhas dentro do armário? Está juntando papel pra vender por quilo? E aqueles livros velhos que estão na estante? Você está fazendo algum tipo de criação de traças? Não sei se você notou, mas os tapetes precisam desesperadamente de uma aspirada. A não ser, é claro, que você esteja deixando juntar bastante terra pra fazer uma horta.

Nada mais inconveniente do que um criado-mudo tagarela e sarcástico. Não dei muita atenção e continuei com o que eu estava fazendo.
Alguns instantes depois, ele emendou:
- Olha, Alex, eu não sei o que você está planejando fazer por aqui, mas se é algo pra melhorar a aparência desse pardieiro eu sou obrigado a dizer que não está funcionando. Eu admiro os seus esforços, mas bem se nota que seu gosto não é lá essas coisas. Graças aos céus você não é decorador, senão...

Nessa hora, o cabide, que até então estava só ouvindo, meteu a colher:
- Veja bem, meu caro! Veja bem, tenho dito. Não me parece certo, veja bem, colocar aquele quadro ali, meu caro. Se você tentasse, veja bem, mais à direita, sobre o camiseiro, eu creio, veja bem, que ficaria melhor, meu caro. Tenho dito.

Por que será que todos os móveis adoram dar opiniões? Estava tentando encarar aquilo como um teste de serenidade quando o camiseiro se atravessou:
- Hei, Alex! Por que você não passa uma tinta nessa parede, meu chapa? Pelo menos daria uma aparecia de nova pra ela.
Ouvindo isso, esbravejou a injuriada parede:
- E você? De qual leilão de antiguidades lhe arremataram? Vá se olhar no espelho, palhaço!
- Dá-lhe, parede! Mostra pra esses zebus quem é que manda por aqui! - provocou o criado-mudo.

O cabide, visivelmente irritado com o criado-mudo, não sustentou mais sua elegância e disse:
- Veja bem, tampinha, você, meu caro, faz melhor em calar sua bocarra e, veja bem, comportar-se como um criado-mudo de verdade. Tenho dito.

E as ofensas começaram a tomar proporções assustadoras. Quando dei por conta, minha casa havia se transformado em um campo de guerra. Todos os móveis, as paredes, o teto e até o chão haviam entrado na briga, e a baixaria era generalizada.

Entre um xingamento e outro, escapou:
- Isso tudo é culpa do Alex!

Aquilo era a gota d'água! Não sei quem proferiu tais palavras, mas não era preciso ouvir mais nada. Eu simplesmente não podia deixar aquele motim continuar impunemente. Soltei um estridente assovio e, tentando mostrar-me o mais tranqüilo possível, proferi:
- Creio que vocês estão com a razão. Não somente estão com a razão como estão mergulhados nela até o pescoço (metaforicamente falando). A culpa disso tudo certamente é minha, e tão pesada está minha consciência que resolvi consertar tudo o mais rápido possível. Segunda-feira eu irei alugar um apartamento, um daqueles bem pequenos, e viverei uma vida o mais despojadamente possível. Não possuirei móvel algum, dormirei no chão, sobre um tapume, e comerei sentado sobre almofadas, certo de que serei muito mais feliz.

A essa altura, o silêncio era sepulcral. Mas o discurso ainda não havia acabado:
- Obviamente não poderei levá-los comigo, o que não me deixará outra opção senão a de vendê-los a quem desejar comprar móveis antigos, ou então os doar a alguma instituição de caridade. Estou certo que arranjarão um novo lar para todos, com muitos cães, gatos e crianças arteiras para lhes fazer companhia. Quanto à casa, creio que terei de vendê-la também. Espero que uma pacata família a compre, mas o destino provável é que aquela construtora finalmente consiga levantar um edifício aqui. Bem, é a vida, não é mesmo?

Quando terminei, um milagre havia sido operado. As gentilezas e a cooperação se tornaram a ordem do dia, e todos pareciam renovados por uma profunda e superior compreensão. A paz novamente reinava, e o silêncio e a tranqüilidade eram o que se sentia no ar.

Não aprecio o uso de táticas terroristas, mas essas costumam ser as únicas que funcionam quando objetos inanimados começam a ficar muito animadinhos.

FÁBULAS ALUCINADAS

As Irmãns do Mangue

Era uma vez três irmãs: Falange, Falanginha e Falangeta. Elas moravam em uma velha palafita em um certo mangue no litoral do Brasil. 

Um dia, semi-submersa por uma enchente, sua antiga moradia desmoronou. Sem terem para onde ir, as três irmãs foram parar em um ginásio onde a prefeitura local acomodava os desabrigados.E por trinta dias e por trinta noites as irmãs do mangue permaneceram no improvisado albergue. Cansadas de terem seus últimos pertences roubados e dos abusos que sofriam de alguns aproveitadores que se alojaram por lá, resolveram tentar a sorte por elas mesmas. Partiram para reconstruir sua antiga casa, mas foram impedidas pela prefeitura, pois aquela área fora considerada de risco. 

Desesperadas e sem recursos ,uniram-se a outros desvalidos da região e invadiram uma área da prefeitura próxima à represa da cidade. Lá ergueram um barraco com o que encontraram pelas redondezas. Acomodadas, dentro do possível, tentaram entrar para o programa Fome Zero procurando zerar seus sofrimentos nutricionais, mas, infelizmente, estavam fora do prazo de inscrição. 

Sem perspectivas, passaram a catar latinhas de refrigerante e a vasculhar os lixões da cidade em busca de alimentos. Obtiveram um certo sucesso e, apesar das constantes necessidades e das debilitantes doenças, estavam conseguindo sobreviver. 

Certo dia, quando tudo parecia seguir sua normal rotina, a polícia cercou o lote invadido. O pelotão de choque entrou, e com suas terríveis bombas de gás lacrimogêneo, com suas furiosas saraivadas de balas de borracha e com seus demolidores golpes de cassetete tentaram expulsar os indigentes que ali se incrustaram. 

As três irmãs, que eram desassombradas, agarraram os primeiros tocos de madeira que conseguiram encontrar e partiram para luta contra aqueles que queriam tomar-lhes o lar. 

Falange, ferida pelas balas de borracha e golpeada inúmeras vezes na cabeça, foi levada para o hospital onde ficou em coma por quatro meses. Falanginha, imobilizada por três homens da força policial, foi levada para o presídio feminino onde ficou esquecida por dois anos. Falangeta, conseguindo desvencilhar-se das autoridades, fugiu e passou a viver nas ruas da capital. 

Hoje, Falange leva uma vida vegetativa em um sanatório da prefeitura. Falanginha aprendeu sobre guerrilha e narcotráfico com as outras presidiárias e, saindo da prisão, tornou-se viciada, namorada de traficante e membro de uma gangue, onde ganhou a alcunha de "Falanginha do Capeta". Falangeta, após muito penar pelas ruas, foi aliciada por cafetões e se tornou mais uma prostituta na zona do baixo meretrício. 

E todas viveram felizes para sempre, segundo o departamento de pesquisa oficial.

A História de Apenas um Qualquer. Capitulo III

O Ninho De Mafagafos



"Num ninho de mafagafos, cinco mafagafinhos há. Quem os desmafagafizer, bom desmafagafizador será!".

Durante a minha baixa infância* ouvi esse trava-língua inúmeras vezes das mais diversas fontes. Dessa forma, desde cedo nutri um irresistível desejo de um bom desmafagafizador ser.

No entanto, antes de sê-lo eu precisaria dominar a arte da desmafagafização, tarefa que seria impossível se, antes de tudo, eu não soubesse o que raios eram os mafagafos.

Embora nunca tivesse ouvido uma boa resposta para essa questão, eu não estava disposto a aceitar a escapista desculpa de que eles não existiam. Eu já havia topado com outras criaturas ditas "inexistentes", como o Coelhinho da Páscoa (post do dia 18) e o Papai Noel, e sabia que eram reais (podiam não ser exatamente o que diziam ser, mas eram reais).

Partindo desse pressuposto, vasculhei toda a literatura disponível em minha casa atrás de pistas da exótica criatura. Tudo em vão, pois além de ser analfabeto e depender de gravuras como referência, não havia muitas figuras de animais exóticos com as quais trabalhar. Aquelas que encontrei não passaram pelo crivo das análises minuciosas que pedi aos meus pais.

Não havia alternativa senão sair sozinho em busca do misterioso ente mundo afora (mundo que englobava tudo em um raio de cem metros da minha casa). Como eu não sabia se os mafagafos eram répteis, anfíbios, moluscos, aves, ou outra classe de criatura, e como não fazia a mínima idéia do que eram répteis, anfíbios ou moluscos, presumi inocentemente que eram aves.

Não houve árvore nas redondezas que não tivesse sido alvo de minha curiosidade científica. Vasculhei cada centímetro quadrado do território, mas nunca os encontrei, apesar de minha frenética busca.

Ficou-me claro então, depois de meu fracasso, porque desmafagafizar esses animais era tarefa tão ilustre que daria o título de bom desmafagafizador ao seu realizador. A resposta é que ninguém podia fazê-lo! Não havia criatura humana que soubesse onde encontrá-los para então desmafagafizá-los. Compreendi que a busca pelos mafagafos estava para a zoologia, assim como a busca pelo Santo Graal estava para a arqueologia.

Mas eu ainda acredito que os mafagafos estão por aí, escondidos dos olhos do homem moderno. Pode ser que sintam medo de nossa espécie e se afastem (atitude que eu definiria como sinal de inteligência) ou simplesmente morem em algum lugar inacessível. Talvez até morem onde moram os unicórnios, quem sabe.



*Divido minha infância em baixa (0-3 anos), média (4-7 anos) e alta (8-11 anos), para fins de enquadramento histórico.

Fé na humanidade sedentária!

Há algum tempo, descobri que realmente sou um sujeito com uma profunda fé na humanidade. Quem mais, a não ser um indivíduo com intensa confiança em seu semelhante, entregaria o destino de seu corpo - e de sua vida, por conseqüência - a um dispositivo eletromecânico preso por finos cabos e que se eleva a alturas efetivamente fatais para qualquer humano: o elevador?

Embora possa parecer, o elevador não é uma porta mágica que, ao ser fechada e logo em seguida aberta, transporta tudo e todos que estão do lado de fora, para outro local, colocando outro lugar e outras pessoas em nossa frente, como poderia pensar um observador mais incauto. Ele é sim, mais um engenhoso equipamento de transporte vertical que vem cada dia tornando-se mais corriqueiro, contribuindo para a felicidade e o bem-estar das massas em nosso estilo de vida moderno: o sedentarismo.

Embora o nome descreva somente metade de sua tarefa, ele define bem o objetivo básico do equipamento, que é o de elevar as pessoas a alturas que fariam nossos antepassados pré-históricos urinarem nas suas peles de mamute. E tudo isso numa velocidade tão significativa que transpomos em alguns segundos, distâncias que nos dariam intermináveis minutos de aflição física e um possível infarto, caso tentássemos percorrê-las por escadas.

Quanto ao restante da monótona tarefa do aparelho, que é a de nos colocar novamente na segurança do solo firme, não é necessário maiores esclarecimentos, pois fica subentendido em seu nome, visto que tudo o que sobe tem que descer e que pra baixo todo santo ajuda.

A primeira páscoa a gente nunca esquece!

Estava pensando na Páscoa e em como ela já está quase aí. Isso me faz recordar coisas boas da minha infância. Bem... não posso dizer que todas as coisas foram boas em se tratando de Páscoa. Na realidade meu primeiro contato com ela foi bastante ruim.

Um dia, quando eu tinha 2 anos, meus pais me disseram:
- Hoje o coelhinho da páscoa veio e trouxe uns ovinhos de chocolate pra você. A gente não sabe onde ele escondeu. Você vai ter que encontrar.

Não entendi bem a relação entre a páscoa, os ovinhos e o coelho, mas sabia muito bem o que era chocolate. Saí correndo como um louco pela casa, não cabendo em mim de tanta felicidade. Não fazia mal se um coelhinho ou um gatinho ou qualquer outro bichinho os tivesse trazido, o que eu queria mesmo era só encontrar os benditos ovinhos.

No entanto, em minha mente infantil, imaginei que o famoso coelhinho não deveria ter mais do que alguns centímetros de altura e que por isso não poderia trazer mais do que uns poucos gramas de chocolate. Para minha total surpresa encontrei o que me parecia uma enorme cesta cheia de enormes ovos de chocolate (lembre-se que eu era bem pequeno e mesmo um ovo normal me pareceria enorme), totalmente incompatível com o volume máximo que o pequeno mamífero poderia suportar, mesmo que ele fosse o Sansão dos coelhos.

Extrapolando a altura do coelho para o tamanho exigido pela tarefa do transporte dos ovos, concluí que o animal deveria ter um tamanho animalescamente maior do que o de um coelho tradicional. Ficou-me claro, diante de tal fato, que a criatura que havia trazido os chocolates em nada se assemelharia ao inofensivo coelhinho, e nem ao menos faria parte daquela tímida espécie.

Dúvidas logo me assolaram a alma:
- Se a criatura não é quem ela diz ser, como posso acreditar que suas intenções sejam realmente pacíficas? Como posso crer que ela deseja somente doar ovos de chocolate para crianças sem pedir nada em troca?

E então, logo compreendi que se nem meus pais, que eram infalíveis perante meus olhos, perceberam que o terrível animal entrara em nossa casa e revirara nossos pertences, nossas vidas estariam correndo sério perigo caso a fera resolvesse voltar para cobrar sua dívida pascoalina.

Essa foi a minha primeira crise, e aconteceu numa Páscoa.
Bons tempos aqueles.
E eu ainda detesto coelhos.

O Campo De Murphy

Hoje o dia foi longo. Eu contei mais de 30 horas, mas não posso afirmar com certeza por que o meu relógio ainda está estragado.
Sempre reservo metade do meu dia pra meditar sobre o que vou fazer no resto dele. Desconto as horas mortas (sono, ataques, desmaios, etc.) e o restante do tempo eu divido entre as minhas várias funções.

Hoje, além do meu trabalho rotineiro de regular o clima em diversas regiões do país, eu descobri que meus poderes perceptivos extra-sensoriais avançados estão me permitindo vislumbrar o que chamei de ''Campo de Murphy''. Para quem não conhece, é o campo cujas manifestações físicas costumam irritar as pessoas a ponto de fazê-las crer que há alguma lei determinando o fracasso em suas ações, as famosas ''Leis de Murphy''.
Dizem que uma situação extremamente estressante pode desencadear uma visão superior da natureza. Foi exatamente assim que eu descobri o terrível campo hoje.

Estava eu tomando meu banho quando, ao abrir o xampu, ele escorregou da minha mão e todo o precioso conteúdo do frasco foi por água abaixo. Transtornado e sem alternativas à mão (sabonete me dá caspas terríveis) usei um sabão de mecânico que eu havia deixado num canto do banheiro. Tal sabão é extremamente abrasivo, pois tem a função de retirar graxas e outras substâncias nojentas das mãos das pessoas. Em um momento de descuido, ao ensaboar minha cabeça, deixei cair aquele fluído infernal em meus olhos.

Desesperado, gritei: ''O que mais falta me acontecer?''. Para então, 2 segundos depois, faltar água.

Cego e afligido pela dor dilacerante pude vislumbrar em minha mente, como uma densa cortina da mais espessa fumaça, o famigerado ''Campo de Murphy'', espalhado ao redor da Terra e penetrando em todos os lugares e mentes, alimentando-se das frustrações dos indivíduos.

As únicas medidas contra a sua influência que eu pude descobrir até agora são: levar tudo na esportiva e ter um bom plano de saúde.

FÁBULAS ALUCINADAS

O povo detrás do armário.

Era uma vez um menino chamado Mário. No quarto de Mário havia um armário (não é aquele Mário tampouco aquele mal-afamado armário). O armário de Mário era precário, pois todo o quarto fora comprado de antiquário.

Certa noite ao limpar seu aquário, notou Mário que vozes saíam por detrás do armário. Sem saber como existia tamanho comentário, pôs-se logo a averiguar o estranho mobiliário.
E Mário, ao ver o pequenino povo detrás do armário, ficou tão apavorado que até esqueceu o abecedário.
- Hei meu jovem, não seja otário! Gritou um do povo detrás do armário.
- Conversamos, pois aqui é solitário. Falou com ar abonatário.

Conversou então Mário com o dignitário do povo detrás do armário. E, não vendo dentre eles qualquer adversário, convidou-os para sua festa de aniversário.
Ganhou Mario um trenzinho e um perfeito modelo ferroviário do bom povo detrás do armário.
- Mas, disse Mário, deve ter custado meses de salário! Não posso aceitar, me sentiria um salafrário!

Sem ser autoritário, disse o nobre dignitário:
- Aceite, caro Mário! Queira ou não você é o novo proprietário! É seu presente de aniversário.

E assim, após se despedirem, de soslaio foi embora o povo para detrás do armário. E deles, nunca mais ouviu falar Mário. Sobrou somente seu modelo ferroviário, que guarda como jóia de relicário, e suas lembranças de diário do pequenino povo detrás do armário.

Indagação sem nexo... DENOVO!!! O.o

Hoje entendi o sentido da palavra privada. Sempre pensei que o vaso sanitário fosse chamado de privada, por ser ali, na privacidade de nosso banheiro, que déssemos vazão às nossas aflições e esvaziássemos nossas consciências. O que seria bastante coerente, pois não sendo pública, é privada, embora eu não entenda nada de coerência.

Mas, quase instantaneamente, surgiu-me outra indagação: como ficaria, nesse caso, a situação das privadas públicas?

Meditei algum tempo em cima desse aparente paradoxo semântico, e cheguei à única conclusão lógica possível: ela é privada, não por ser particular, mas por ser desprovida!
Sim, a essência do entendimento havia iluminado minha mente!

A privada possui esse nome porque, assim como o criado-mudo do qual falei ontem, foi-lhe retirada toda a sua dignidade! Ela foi totalmente privada de um destino honroso como objeto doméstico!
Pensando bem, nem mesmo o criado-mudo sofre tamanha ignomínia, visto que detém privilégios com os quais uma privada jamais sonharia. Uma privada jamais sustentaria os livros prediletos de seu dono, jamais lhe faria companhia durante o sono, jamais abrigaria seus pequenos objetos pessoais ou conteria a água que ele bebe para matar sua eventual sede noturna. 
A triste verdade é que tudo o que resta à desafortunada privada é ver o lado mais feio da humanidade.

Indagação sem nexo

Estava eu arrumando alguns papéis em casa quando, ao olhar para o meu armário, parei pra pensar em uma coisa:
- Porque os móveis têm os nomes que têm?
Para início de conversa, os meus móveis, pelo menos, não são nada móveis. Eles até que são bem fixos. E felizmente eles são assim, pois nem consigo imaginar a confusão que seria se cada dia, ao chegar em casa, eu os encontrasse em lugares diferentes.

Mas em relação aos nomes, não consigo entender por que mantemos alguns nomes que talvez até tenham tido um sentido no passado, mas que hoje soam muito inadequados. Armário, por exemplo. Eu não conheço ninguém que guarde armas no seu armário.
O que dizer das prateleiras? Se elas fossem prateleiras, no sentido real da palavra, seria permitido guardar somente pratos nela, o que seria muito ditatorial para minha cabeça. Eu não poderia viver em um mundo tão limitante! Eu quero poder guardar até meu penico nas prateleiras, se assim o desejar, sem ter que me sentir mal por isso.
Mas nenhum, entre todos os móveis, tem o nome mais infame e humilhante do que o do criado-mudo.
Criado-mudo. Até parece idéia de algum nobre medieval:
- Faça isso certo, criado! Não foi suficiente eu ter lhe arrancado a língua?

Imagino que como hoje em dia não é mais possível arrancar as línguas dos indivíduos ao nosso bel prazer e chamá-los vexatoriamente de criados-mudos, resolveram então descarregar essa frustração dando esse nome ignóbil para o indefeso móvel.
Apesar de tudo, aqui em casa, as coisas são bem diferentes. Eu não trato meu criado-mudo como um criado-mudo, pois além dele não ser meu criado ele não pára de falar, dia e noite.

Refletindo a gente pode ir looongeeeee.....

Eu vivo reclamando da qualidade da comida nos selfservices onde freqüento, tomando como base de comparação um único que frequentei o qual tenho admirição pela comida. Não passa um dia em que eu não me encha de insatisfação pela comida engraxada que aquele senhor me obrigou a comer, já que ele sabe que não existe concorrência por perto.
Tento sempre evitar entrar em atrito com as pessoas já que da última vez eu saí numa camisa de força, (Tudo bem.. não é para tanto). Mas hoje reagi à agressão. Botei todos os podres pra fora. Acredito que tive uma das maiores diarréias da história da humanidade.
Sentado no meu trono de infâmia e agonia, pude ver a vida esvaindo-se do meu corpo por aquele fluxo incontrolável e, nesse momento, tive uma revelação:

Defecamos na água dos rios e dos rios bebemos nossa água. Por conseguinte, bebemos as fezes que defecamos. Também dos rios onde defecamos tiramos a água que irriga nossas plantações, que nutrem-se, por sua vez, do solo fertilizado pelo esterco. Somos dessa forma, inevitavelmente, feitos de bosta. Homens e mulheres feitos de bosta, morando em um mundo cuja única matéria onipresente é a bosta.

Não me surpreendo que nos sintamos tão sozinhos no universo. Se eu fosse um alienígena também não iria querer fazer contato...

A História de Apenas um Qualquer. Capitulo II

O Amanhecer De Uma Consciência

Nasci ignorante. E minha ignorância era tão profunda que eu a ignorava completamente. Tamanha ausência de conhecimento certamente afetou minha percepção do universo a ponto de extinguir as lembranças dos primeiros meses de minha existência extra-uterina.

Aí residia um problema. Como descrever a minha tenra infância se de nada, ou quase nada, recordava até meus dois anos de idade? A única alternativa que me restava era a aplicação de uma técnica conhecida como hipnose de regressão (ou coisa que o valha). Visto que uma sessão iria custar-me os olhos da cara, decidi eu mesmo me hipnotizar.

Concentrei-me profundamente, e em um silêncio absoluto apliquei em mim os procedimentos que eu havia lido no "Guia Prático do Hipnotizador Amador". Em poucos minutos passei a acessar os registros mnemônicos referentes aos meses subseqüentes ao meu nascimento e a revivê-los.

A bem da verdade, não havia muita coisa por lá. Aparentemente minha rotina era gastar a maior parte do meu tempo dormindo e lutando contra algo estranho que me incomodava de tempos em tempos. Essa estranha aflição fazia com que eu chorasse copiosamente, e por alguma surpreendente razão, ao iniciar meu choro, uma fantástica criatura gigante se aproximava e miraculosamente sanava meu males. Hoje sei que o a desconforto era só fome e que a entidade gigante era a minha mãe alimentando-me. Mesmo assim pareceu-me bastante incrível.

Tal associação entre meu choro e a vinda da bondosa criatura despertou, pela primeira vez, meus instintos investigativos. Comecei então a chorar quando não estava com fome, só para certificar-me de que existia relação entre os eventos.

Ao constatar que eram causa e conseqüência, uma imensa emoção tomou conta de meu pequeno ser. Passei a chorar com uma freqüência cada vez maior, na esperança de repetir os mesmos resultados. E continuei chorando assim por muito tempo. Até minha mãe, depois de alguns meses, começou a me acompanhar na choramingante melodia. Bons tempos aqueles.

Por fim, enjoei da brincadeira e decidi parar de chorar. Recordo-me que meus pais ficaram desesperadamente felizes com a minha decisão também.
E assim transcorreram, em linhas gerais, meus primeiros meses de vida.

A minha regressão havia sido um sucesso total... ou quase.
Constatei um pequeno problema na minha auto-hipnose. Como não havia ninguém para retirar-me de meu hipnótico torpor, fiquei preso numa sucessão de eventos passados até que um fator externo (o telefone) conseguiu distrair-me de meu mundo interior.

Quando, dezessete horas depois, despertei de meu sono hipnótico, percebi que me encontrava deitado no chão do quarto, completamente borrado. E o pior de tudo, e para meu profundo desespero, chupando o dedão do pé.

Sumi.

Sim, realmente eu sumi.

Mas como todo indivíduo suminte (suminente? sumidante? sumidouro? sumiriente? nenhuma das alternativas?) que se preza, reapareci.

Sumir e não reaparecer deve ser de uma tristeza tão profunda quanto sumir e reaparecer em algum lugar deserto. Felizmente reapareci em meio aos viventes, coisa que me enche de júbilo e satisfação.

Mas como todo ser suminte (resolvi adotar essa forma para o meu disforme desvanecimento), vivo agora, em meus instantes iniciais de súbita reexistência, a me desculpar pelos meus indesculpáveis modos. Sim, ó nobre povo do Mundo Virtual, rogo que aceitem esse indivíduo lunático e desvairado em vosso meio novamente (pelo menos até o meu próximo sumiço que, embora não esteja sendo premeditado de forma alguma, mas sabendo das conexões alucinadas entre meus neurônios, inevitavelmente ocorrerá).

Seja como for, aqui estou. É bem verdade que não posso estar certo disso, já que nunca estou certo de nada. Mas acho que sim. E se aqui estou hoje, grande chance há de que muito brevemente tal fenômeno se repita, embora repetitibilidade não seja uma das minhas mais eminentes características.

Mas nessas minhas sumidas, muitas coisas eu aprendi. Descobri que por mais longe que eu fosse e por mais sozinho que eu procurasse estar, sempre estava muito perto de mim, sempre. Isso me fez crer profundamente, durante um bom período, que eu estava em todos os lugares ao mesmo tempo.

Procurei de todas as forma desvencilhar-me de mim mesmo. Fui para lugares onde poucos seres humanos se aventurariam. Escalei montanhas intransponíveis e desci às profundezas gélidas do mar, claro falo isso com total ausência de exageros,  e em todos esses lugares... lá estava eu.

Tal fato, certamente, muito perturbado me deixou. Passei a temer sobremaneira essa minha onipresença. Se eu realmente me encontrava em todos os lugares ao mesmo tempo, coisas horríveis poderiam estar acontecendo comigo sem que eu tivesse a menor consciência disso. Passei a olhar obsessivamente todos os jornais para certificar-me de que nada de mais grave vinha acontecendo com minha pessoa por esse mundo a fora.

Alucinado (coisa muito comum em meus dias), tive a idéia de telefonar para casa na intenção de falar comigo mesmo. Não atendi. Cri que eu estivesse então tomando banho ou que houvesse saído por alguns minutos. Liguei para vários lugares aonde gosto de ir e perguntei se eu estava por lá. Recebi muitas negativas. A bem da verdade, não recebi nenhuma positiva, o que não me deixou nada neutro nessa situação.

Juntando os pedaços, pude então compreender que eu não era onipresente. Longe disso, eu vinha sendo até bem ausente nos últimos tempos. Pude constatar que, na realidade, eu vivo mesmo é me perseguindo. Para aonde eu vou, eu vou atrás. É quase um caso de polícia.

Bem, enquanto eu me mantiver assim, inofensivo, só me acompanhando, acredito que não haverá maiores problemas. Mas estou, é verdade, tentando me convencer a não somente me seguir. Perguntei para mim mesmo se eu não gostaria de continuar escrevendo no blog, pelo menos de vez em quando, já que minhas rotinas reais e imaginárias estão ocupando quase todo o meu tempo. E como aparentemente eu tenho bastante tempo livre para ficar me seguindo, creio que mataríamos dois coelhos com uma cajadada só (mesmo que matar coelhos a cajadadas seja uma técnica bem rudimentar e pouco eficiente).

Parece que entendi a mensagem, eu acho. Mas como eu disse, não tenho certeza de nada, nem de que eu não tenha realmente certeza de nada, de forma que isso me parece fazer ter certeza de algo. Ou não. Ou talvez. Sei lá. Mas deixa assim por hoje, senão vai ficar parecendo perseguição. 
 
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