Tratamento de Choque

Eventualmente dispenso algum tempo para conversar com meus móveis que, afinal, são seres vivos, como qualquer animal, vegetal ou mineral que perambula pela face da Terra, acima dela ou em seu interior.

Esses dias resolvi conversar com meu televisor, pois o problemático aparelho continuava com um terrível problema de auto-imagem (ele é um televisor atravessando uma aparente crise de meia-idade). Disse-me ele:

-Oh, Alex! Sinto-me um traste. Não vejo sentido em continuar assim. Acho que perdi a sintonia com este mundo. Se ao menos eu fosse um televisor de plasma...

Pobre máquina! Tinha que dizer alguma coisa para animá-lo (*):

- Bem, caro amigo, ao menos você...deixe-me ver...hã...ao menos você não é valvulado! - Disse, realmente tentando ajudar.
- É isso, Alex! Eu sou uma obsolência viva, um anacronismo que ainda teima em persistir. Vá para o seu computador com monitor de tela plana! Dessa sucata aqui não há mais o que se possa tirar!

Desconfiei que ele andava assistindo muito daquelas medonhas novelas mexicanas ultimamente, mas isso eu não iria suportar. Estava na hora de cortar essa onda! Obviamente, eu precisaria encontrar um meio eficaz de persuadí-lo, eu precisava de um canal de comunicação:

- Deixe de drama, caro televisor, sua vida até que é muito boa!
- Drama?? - Respondeu - Minha vida é um suspense atrás do outro! Perdi meu brilho há tempos, minha vida não tem mais cor, é só um grande contraste! Minha vida é, em suma, um enorme e mal feito filme de terror sem fim!

A essa altura, minha tolerância já demonstrava claros sinais de intolerância.
-Pois bem, caro televisor, então vamos dar um fim nessa história sem fim. Irei trocá-lo por uma torradeira nova, pois se o seu objetivo é torrar, que seja então pães, e não minha paciência.- Às vezes é preiso ser muito enérgico com esses eletrodomésticos.

Nesse momento, a vida inteira do desajustado televisor passou por sua cabeça. Quinhentas e setenta e quatro sessões da tarde, mil seiscentos e vinte e dois telejornais, mil setecentos e trinta e oito documentários, dois mil cento e cinquenta e três desenhos animados, seiscentos e quarenta e dois programas de entrevistas, entre outra infinidade de programas que todo televisor acaba por passar.

Por vários minutos ficou o televisor ali, parado (como de fato normalmente ele fica, coisa que muito me agrada), aparentemente meditou bastante no que aconteceu e disse:

-Já é tarde, Alex, acho que já está na hora de descansar. Amanhã é um novo dia e quero estar bem antenado.

Coincidência ou não (quase certo que não), ele voltou a funcionar corretamente. Soube que andou fazendo amizade com o aparelho de videocassete e que costuma ficar várias horas vendo filmes antigos e dando risadas. Menos mal, pois, pessoalmente, não sou um grande fã de torradas.

Entretanto, atualmente o que de fato vem me preocupando é essa aparente tendência à cleptomania que meu aspirador de pó vem apresentando. Estou pensando muito seriamente em ir morar no mato, coisa que somente não faço pois detesto morar no mato.



(*) Se eu tivesse escrito "tinha que dizer alguma coisa para o animar", eu poderia ser confundido com um caipira mal-educado, o que tiraria completamente o sentido do texto.

1 comentário

Magna Eugênia em 13 de maio de 2011 às 21:32

Adoreeei Rabbit... Principalmente a parte da nota de rodapé, kkk, to rindo litros aqui. Mas vem cá, só tira uma dúvida... Seu televisor não passa jogos do mengão não??? o0' beijooos, adorei e desde já no aguarde pelo aspirador cleptomaníaco.

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