A história de Apenas um Qualquer. Capítulo V

A Ameaça Exterior

Durante parte de minha baixa e média infância*, eu nutri um alto grau de temor por pessoas desconhecidas. Tal receio colocava-me na posição de indivíduo anti-social ou, como se diz popularmente, bicho-do-mato.
Lembro-me que quando me aconselhavam sobre não me aproximar de estranhos e todas aquelas outras regras de segurança infantil, logo pensava:
- Por que raios eles acham que eu pretendo aproximar-me deles?

Para mim era o mesmo que dizer para que eu não me atirasse debaixo de um carro, ou que não pulasse do telhado em cima de uma pilha de cacos de vidro.Embora esse posicionamento pessoal colocasse meus pais, vez por outra, em situações embaraçosas, eu possuía minhas razões. Eu já havia adquirido um certo grau de consciência, o que possibilitava reconhecer-me como indivíduo, com pensamentos e desejos independentes. No entanto, ao observar as pessoas, não conseguia reconhecer nelas tais características, não sabia absolutamente nada sobre elas, não sabia o que se passava em suas mentes, como eram suas filosofias de vida, se eram boas ou más. Quanto à minha família, ela já havia dado provas de suas pacíficas intenções, e não havia porque duvidar de sua benevolência depois de tanto tempo.Mas o mundo exterior, esse sim, apavorava-me. Uma multidão de rostos, todos iguais para mim, que não deixavam transparecer seus pensamentos, a ponto de me fazer duvidar que existiam.

Certa vez caminhava com minha mãe quando, por um motivo que não me recordo, separei-me alguns metros dela. Ao ver que ela não se encontrava perto de mim, o horror tomou conta de meu ser. Horror que se amplificou quando uma senhora, tentando ajudar, segurou-me e perguntou se eu estava perdido.
- Agora é que eu estou! Pensei com meus botões.

Bastara um segundo de desatenção minha e de minha mãe para que as hordas me capturassem. Meu destino estava selado. A que terríveis atrocidades iriam submeter-me aqueles seres?
Enquanto eu ainda estava ocupado apavorando-me, minha mãe aproximou-se, segurou-me e disse:
- Segura a minha mão e não solta!

Estava salvo! Havia recebido uma segunda chance, e não a desperdiçaria novamente.

Continuei então com minha rotina xenofóbica exacerbada até entrar na pré-escola, aos cinco anos, quando então, devido ao convívio diário, comecei a entender as pessoas e a vê-las como iguais. E embora ainda não soubesse por onde vagavam seus pensamentos, descobri que os meus provavelmente também trilharam ou trilhariam os mesmos caminhos, e que a única diferença entre nós seria aquela que desejássemos impor. Essa nova perspectiva ampliou minha visão do mundo como nunca poderia ter imaginado. Lamentei ter levado tanto tempo para acordar.


Pensando nisso, veio-me à mente uma reflexão sobre esse tema. Já notaram que todos temos receio do que não é igual a nós? Que somos levados a crer que tudo o que é externo é a mesma coisa, e não conseguimos ver suas verdadeiras características? Que outras culturas e outras formas de pensamento são ameaçadoras porque são diferentes das nossas?
Qual outra razão haveria para tanta intolerância? Por qual outra razão as nações atacariam umas as outras ou, no mínimo, manteriam estoques de armas de destruição global senão por medo do que não lhes é familiar?

Se não fosse assim, se não víssemos tudo o que é externo como uma misteriosa massa uniforme de ameaça, por que, mesmo morando em um mundo com mais de 200 idiomas e dialetos distintos, com pessoas dos mais diversos tipos físicos, das mais diversas cores e credos, sempre que vemos filmes de ficção científica, os extraterrestres invariavelmente falam uma só língua, vestem-se todos da mesma forma, são todos fisicamente iguais e, via de regra, são terrivelmente ameaçadores? A ficção está aí para espelhar a realidade.


*Divido minha infância em baixa (0-3 anos), média (4-7 anos), alta (8-11 anos) e altíssima (12 anos em diante), para fins de enquadramento histórico.

1 comentário

Magna Eugênia em 17 de maio de 2011 às 11:36

Morro de rir com suas histórias, rabbit... e sim, claro... esta fez muuuuuuito sentido, compartilho das mesmas idéias.

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