FÁBULAS ALUCINADAS

Apenas um Qualquer no País Das Falcatruas

Era uma vez um reino onde, mesmo não sendo o da Dinamarca, havia algo de podre. E o rei vivia tão preocupado com a decadente situação de seu reino, que buscou uma solução em todos os lugares onde sua imaginação alcançou. Mas a cada dia o povo ficava mais e mais corrupto.

Enquanto a corrupção residia somente na corte, pensou o rei, a vida era boa e muito sobrava para que os nobres repartissem os frutos da terra entre eles. Agora que a plebe os imitava e a desonestidade encontrava-se enraizada desde o maior até o menor, o sistema não mais funcionava, a pobreza era enorme, e se locupletar não era mais possível.
Acreditava o rei que algo deveria ser feito imediatamente para que o povo retornasse à sua decência e a nobreza à sua opulência. Somente com bons exemplos de retidão de caráter, imaginou ele, o povo iria lembrar-se da honra e da honestidade novamente. A questão era: onde encontrar alguém que pudesse proporcionar bons exemplos?

Há décadas que ninguém mais ouvira falar de virtudes, e a tentativa de as encontrar seria considerada uma missão impossível por qualquer ser minimamente racional. Onde encontrar um ser humano íntegro naquela terra corrompida? Existiria ainda tal alma vivente? Quem seria lunático o suficiente para se arriscar a sair pelo mundo em busca desse quimérico sonho? O rei, entendendo a situação, convocou o único ser na corte que aceitaria a impraticável incumbência sem questionamentos: Sir Apenas um Qualquer.

E Sir Apenas um Qualquer, o errante cavaleiro das causas alucinadas, errou por todas as terras do reino à procura do salvador moral de sua nação. Ele errou pelo norte, e errou pelo sul, errou a leste e errou a oeste. E por que não dizer, errou também a sudoeste, e a nordeste, e errou a noroeste e a sudeste. A bem da verdade, não ouve direção da rosa dos ventos por onde não houvesse errado Sir Apenas um Qualquer.
Por fim, cansado de tanto errar, Sir Apenas um Qualquer pôs-se por um minuto a meditar:
- Macacos me mordam! Certamente não existe tal criatura! Eu provei isso! Não houve homem, mulher ou criança nessa terra depravada que não tentou aproveitar-se da situação para lucrar. Somente as crianças muito pequenas não tentaram nenhuma cafajestice. Certamente tentarão mais tarde, quando crescerem e observarem seus pais e irmãos.

Abatido e sem perspectivas de completar sua missão, Sir Apenas um Qualquer pôs-se em retorno ao castelo. Não havia alternativa senão dar as más novas ao rei. Pelo caminho, foi observando mais atentamente as pessoas e se espantando com o medo que seus semelhantes pareciam possuir uns dos outros. Todos se julgavam incrivelmente espertos, mas todos viviam incrivelmente mal. Hoje Fulano enganava Beltrano, amanhã Beltrano enganaria Cicrano, e depois de amanhã Cicrano enganaria Fulano, e nesse círculo interminável de falsas espertezas, os indivíduos acabavam por perder o pouco que tinham, e a cada dia tornavam-se mais infelizes.
Durante alguns dias do ano, entretinham-se com uma festa chamada "valcarna", onde todos dançavam, cantavam, pulavam, bebiam e praticavam todos os mais desesperados atos carnais na inútil tentativa de se esquivarem de suas aflições diárias.

Mas Sir Apenas um Qualquer, que não entendia nada disso, estava triste simplesmente por não ter achado o remediador das aflições de seu povo. Sabia que o rei ficaria imensamente decepcionado, mas não havia nada a ser feito senão lamentar.
Ao chegar no castelo, notou Sir Apenas um Qualquer que as bandeiras estendidas nos postes não eram as de seu país, tampouco as pessoas que estavam no castelo eram suas conhecidas. Sir Apenas um Qualquer havia ficado fora por tanto tempo em sua enlouquecida cruzada que não percebera que profundas mudanças haviam sido operadas.
Os nobres, prevendo o caos iminente e tentando salvar os seus obesos traseiros, venderam o que sobrou de sua pátria aos ambiciosos reinos estrangeiros e, munidos com suas fortunas dessa forma adquiridas, partiram para viver suas vidas em outras nações mais evoluídas.

Sir Apenas um Qualquer, o atordoado cavaleiro que não sabia manter sua boca fechada, foi levado ao manicômio do estado sob alegação de sofrer de delírios psico-sociais, e passou seus dias a desenhar e a pintar (o que não considerou de todo o mal).
Ao povo coube continuar na miséria, na violência e no desespero, obedecendo aos seus novos dirigentes (que não mudaram muito em relação aos anteriores). E assim viveram por sei lá eu quanto tempo mais.

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