O Medonho Tubo De Raios Catódicos

Os fenômenos que esse mundo maluco me apresenta diariamente afetam em tal grau minha enlouquecida rotina que algumas vezes, senão sempre, sou abrigado a desvanecer-me por tempo indeterminado, a fim de continuar minha existência da forma menos caótica possível. E foi por esse simples motivo que sumi.

Tudo começou a um tempo atrás quando fui assistir um pouco das imagens do meu novo aparelho de terrivisão. Andava exausto dos programas tradicionais e resolvi comprar um equipamento mais moderno, na esperança de não ter de assistir àqueles horrores que meu arcaico dispositivo teimava em exibir.

Para minha mais desgraçada surpresa, meu novo terrivisor, ao ser instalado, passou a exibir as mesmas cenas que seu predecessor, perniciosamente, apresentava. Onde estavam as bucólicas paisagens e as tranqüilizantes cenas da vida selvagem que eu havia presenciado quando o comprei na loja?

Ao ser colocado em seu lugar, em minha residência, só o que meu terrivisor exibia eram cenas extrema violência, pessoas sendo ridicularizadas em desumanos programas de auditório e imagens de indivíduos sob terríveis ataques convulsivos ocasionados pelos hediondos e indescritíveis ruídos aos quais estavam expostos (mais tarde fiquei sabendo que eram pessoas dançando ao som de música popular).

Dirigi-me imediatamente à loja na qual comprei o falho dispositivo. Logo fui abordado pela atendente que, numa demonstração de persuasão incomparável, conseguiu provar-me que, embora eu houvesse comprado meu aparelho naquele estabelecimento, eles não tinham nada a ver com isso. Ela então me aconselhou a procurar uma assistência técnica e logo me dirigiu à saída da loja, mas não sem antes me desejar, sorridente, um bom dia.

Fui à assistência técnica, e meu dia continuou bastante ruim. Deixei meu aparelho para análise especializada, que, surpreendentemente, nada constatou de errado. Fui novamente aconselhado a voltar para minha casa e testar meu aparelho mais uma vez. Obviamente o técnico desejou-me um bom dia também.

Estariam as palavras do referido técnico em manutenção correspondendo com a verdade? Tudo aquilo que eu havia visto não teria passado de mera alucinação? Para garantir imparcialidade na decisão, tomei uma dose dupla de meus antialucinógenos (cigarros) e pus-me a observar, desconfiado, mas esperançoso, às imagens de meu terrivisor mais uma vez.

E mais uma vez ele me terrificou. Dessa vez com ataques suicidas, telejornais sangrentos, novelas sem sentido e manipuladoras, programas infantis com indescritível nível de retardamento mental e filmes cheios dos mais nauseabundos clichês, e tudo isso a tal ponto que duvidei que algum ser vivo, pensante ou não, pudesse expor seus sentidos à tamanha agressão por mais de alguns minutos.

Alucinado (coisa cada vez mais freqüente em meus insanos dias), pus meu demente corpo em lépida fuga rumo à qualquer lugar, desde que para longe de tão maligno instrumento. Escondi-me em lugares onde poucos suporiam encontrar-me, refugiei-me nos mais recônditos esconderijos, e, em minha mente, tentei reverter os perversos danos que minha consciência havia sofrido.

Hoje posso afirmar seguramente que sou um homem curado, ou não. Realmente não sei, mas a certeza que tenho é que voltei, eu acho.

Ainda que a relaxante vida selvagem e que as pastoris paisagens não encontrem guarida em meu sádico dispositivo, meu tão oprimido ser encontra hoje seu refrigério nas coisas que a circundam, principalmente no refrigerador que fica ao lado dela.

Então, para brindar a volta de minha consciência ao seu devido rumo, canto o hino nacional e abro uma cerveja, muito embora eu não saiba cantar e tenha uma grande aversão a bebidas alcoólicas. Mas o que realmente vale é a boa intenção, mesmo que o inferno esteja cheio delas.

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