A história de Apenas um Qualquer. Capítulo VII

Uma Noite Alucinante

Um dia, em meados de minha média infância*, assistindo a um filme na televisão com meu pai, deparei-me com a criatura mais apavorante que meus infantis olhos haviam presenciado até então: Nosferatu.
Existem pessoas que necessitam desesperadamente do fluir da adrenalina em suas veias para que consigam sentir a vida em seus corpos. Dessa forma, expõem-se conscientemente a toda sorte de aventuras físicas e desafios atléticos na esperança de amenizarem suas aflitivas carências psico-químicas. No meu caso, basta-me um susto.

Ver aquela medonha entidade arrastando-se pelas trevas e alimentando-se do sangue das indefesas vítimas que cruzavam seu caminho liberou mais adrenalina em minha corrente sanguínea do que eu poderia processar em um ano.

Descobri, ao olhar tão horrendo filme, que se dependesse de minha necessidade adrenalínica jamais existiriam quaisquer esportes radicais e muitos outros nem tão radicais. Basta-me a violência de um jogo de xadrez e a brutalidade de uma partida de dominó para que sinta o completo ardor da existência em meu ser.

Acabado o filme, fui direto para minha cama. Entretanto, não houve maneira de fechar os olhos e dormir. Como apenas um qualquer, via em cada sombra e em cada ruído a presença do abominável vampiro esmerando-se por sugar-me o precioso fluido arterial. Durante o passar das horas fiquei em minha alucinada vigília observando todos os cantos de meu quarto à procura de algum movimento suspeito, de alguma fumacinha ou vapor que denunciasse a presença da bizarra entidade.

De tempos em tempos, estalos no forro e no teto faziam meu coração bater tão medonhamente forte a ponto de fazer com que eu me assustasse com ele também. Hoje sei que era somente efeito da dilatação térmica dos materiais que, ao passar da noite, fazia com que os elementos roçassem uns nos outros produzindo aqueles assustadores estouros, mas tente dizer isso a uma criança que acabou de assistir Nosferatu na televisão. Aquela noite foi, sem dúvida, a mais longa noite de minha vida até então.

Quando as forças já abandonavam meu corpo e as pálpebras pareciam feitas de chumbo, o desespero tomou conta de minha mente. Estaria o maligno sugador somente esperando este momento para dar seu bote final? Como faria para escapar de tão trágico fim?

Exausto e sem nenhuma perspectiva de vitória sobre a criatura, já estava quase me rendendo quando, para minha arrebatadora felicidade, o despertador tocou. Eram seis e meia! Estava salvo! Iria para a escola e nenhum vampiro iria atacar-me na iluminada manhã daquele radiante dia. Foi o dia mais extenuante que já havia experimentado. As horas de sono que o extraordinário temor me havia roubado cobravam seu preço transformando-me em um zumbi.

Quando a noite chegou, dirigi-me à minha cama e, como um autômato, atirei-me nela como se atingido por um dardo tranqüilizante. Quanto ao Nosferatu, apesar de ainda estar imerso no medo, queria mais que ele se lixasse. Preferia ter meu sangue sugado a passar outro dia como aquele.

Nada como uma boa canseira para abalar um mito.


*Divido minha infância em baixa (0-3 anos), média (4-7 anos), alta (8-11 anos) e altíssima (12 anos em diante), para fins de enquadramento histórico.

1 comentário

Magna Eugênia em 19 de setembro de 2011 às 11:38

Show , show! Tudo lindo e finalmente atualizadooooo!!!!!! Tá lindo e adoreeei o capítulo de APENAS UM QUALQUER... Ansiosa que chegue a infância altíssimaaaa! rs

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