FÁBULAS ALUCINADAS

O Colecionador



Era uma vez um homem que não sabia fazer outra coisa na vida senão colecionar. Colecionava de tudo, não importando se belo ou feio, novo ou antigo, caro ou barato. Sua motivação era somente ajuntar peças de todas as procedências, cores e tamanhos em uma interminável sucessão de aquisições, tarefa na qual despendia todo o seu tempo, dinheiro e esforços.

Apreciar suas coleções era como olhar para um resumo do mundo. Havia peças de todos os continentes e de todas as civilizações que existem ou que já existiram. Elas enchiam cada cômodo e cada canto de sua gigantesca e maravilhosa mansão. Ocupavam cada centímetro útil do piso, das paredes e do teto. Quase não era possível mover-se por entre elas.

Esse homem, descendente de uma incrivelmente rica e tradicional família, havia gastado em sua insana obsessão praticamente toda a inacreditável herança que recebera. Fábricas, imóveis, ações, tudo era posto em segundo plano quando confrontado com seu desejo por colecionar. A fortuna que ainda lhe restava seria considerada fenomenal para qualquer milionário comum, mas não para ele.

Enchia-se de pavor só por pensar na possibilidade de não ter mais dinheiro para gastar com suas coleções. Vivia com os nervos à flor da pele imaginando que um dia iria desejar algo que não poderia ter. Além disso, como suas coleções tornavam-se cada vez mais imensas e valiosas, começou a temer continuamente pela segurança de seus mais preciosos bens.

A loucura começou a tomar posse de sua egocêntrica mente. Com o tempo, passou a sentir insegurança quando perto de outras pessoas. Já não as via mais como seres humanos, somente como possíveis predadores de suas idolatradas coleções.

Já não conseguia sair à rua, com medo do que pudesse ocorrer com seu tesouro durante sua ausência. Tudo que comprava era por intermédio de terceiros. Ninguém mais via seu rosto há anos, nem mesmo seus criados, pois despediu a todos e passou a viver recluso em sua mansão cercada por ferozes cães.

Uma vez por semana, recebia seus mantimentos e suas novas aquisições através de seu único empregado, o caseiro, que morava em um pequeno chalé nos fundos do terreno e que tomava conta da propriedade. Ele era a única criatura humana com permissão de se aproximar da casa. Confiava nele, pois acreditava que sendo ele surdo-mudo e sofrendo ainda de um pequeno grau de deficiência mental, jamais tentaria algo contra seus preciosos pertences. Mesmo assim, nunca permitia sua entrada na residência, e só se comunicava com ele esporadicamente e através de bilhetes.

E assim viveu por muitos anos empilhando seus novos objetos uns sobre os outros. Já não conseguia encontrar um bom local para acomodá-los, pois não tinha bom preparo físico para escalar escadas e prendê-los devidamente. Contentava-se em acrescentá-los à sua lista de aquisições e amontoá-los em inseguras montanhas.

Certo dia, ao andar pela sua casa, deixou acidentalmente cair um livro de suas mãos. As insignificantes ondas de choque causadas pelo minúsculo impacto do livro com o chão foram suficientes para que todas as instáveis pilhas que se haviam tornado suas coleções chacoalhassem como se feitas de gelatina.

Olhou amedrontado para cima e assombrou-se com a montanha que se precipitava sobre ele. Não havia para onde correr, tudo a sua volta parecia implodir em sua direção. Desesperou-se, mas nada pode fazer além de contemplar a chuva de objetos que o cobria.

Imobilizado pelas toneladas de artefatos que o circundavam, gritava por socorro. E assim o fez até que sua voz acabou. Mas ninguém podia ouvi-lo. Ele havia sistematicamente afastado a todos de sua convivência. O único que poderia ajudá-lo, seu caseiro surdo-mudo, continuava seu trabalho no jardim, regando as flores, cortando a grama e alimentando os cães, tudo isso sem nem mesmo suspeitar do que acontecia a poucas dezenas de metros dentro daquela casa. E não suspeitaria muito cedo, pois era comum seu patrão ficar mais de uma semana sem se comunicar.

O pobre e paralisado homem passou então a recordar as pessoas que viviam naquela mansão, seus empregados e seus parentes. Recordou como era boa a sua vida quando a casa estava sempre cheia de gente e de movimento. Sentindo aquele sepulcral silêncio que o permeava, imaginou como somente um sinal, um simples aviso de uma daquelas pessoas que tão brutalmente enxotou de sua presença poderia salvá-lo de sua indescritível tortura.

Mas não havia ninguém. Estava só. E naquela estática solidão foi implacavelmente afligido pelo destino que buscou com as próprias mãos. O terror parecia-lhe infinito dentro de cada minuto, e os minutos amontoaram-se e formaram horas, e as horas amontoaram-se e formaram dias. E por três dias permaneceu em seu abissal tormento.

Mortalmente desidratado já não sentia mais seu corpo. As cãibras que o tomavam e o deserto em que se havia tornado sua garganta já não o incomodavam mais. Sentia que sua provação chegava ao fim.

E naquele instante, segundos antes de morrer soterrado em seu fabuloso mausoléu, lembrou com remorso de todos os dias de felicidade que tivera com sua família e amigos nesse mundo, olhou gelidamente para seus inúteis objetos e, num último lamento, desprezou-os do fundo de sua alma.

3 comentários

Anônimo em 28 de setembro de 2011 às 15:14

Morreu por causa do que mais se apreciou. Morreu por causa da sua loucura. Nossa, amei a história, bem escrita. Adoro histórias assim. E simplesmente senti o sofrimento que ele parecia sentir e sentiu até sua morte. Adorei mesmo o texto, muito bom. Tem um talento enorme na escrita!
Abraço!
http://lollyoliver.wordpress.com/

Ricky Oz em 28 de setembro de 2011 às 23:58

Cara, que demais, muito legal, curti demais esse conto. Além da história em si ser boa, ainda passa uma mensagem, o que é melhor. Muito bom!!

http://rickyoz.blogspot.com/

Anônimo em 29 de setembro de 2011 às 09:22

Bom

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