Apenas um Qualquer Hipocondríaco

A descoberta de ser hipocondríaco


Era uma quarta feira, estava no colégio como todo adolescente com minha idade. A professora de biologia me deixou bastante preocupado. Ela disse que o nosso coração era uma máquina maravilhosa e eficiente, que bate 80 vezes por minuto. Isso dá três bilhões de batidas numa vida inteira. Calculei que o meu já tinha dado 80 x 60 x 24 x 365 x 14 = 588672000 de batidas (o número não coube na calculadora. Preciso de uma melhor). Fiquei preocupado com esforço que o meu coração já tinha feito. Tenho certeza que ele não vai agüentar até o fim. Perguntei à professora se eu podia ter um ataque cardíaco na corrida que íamos fazer à tarde. Afinal, o vovô morreu de ataque do coração quando estava correndo atrás de um ônibus no ano passado. Bom, é claro que ele tinha 80 anos, mas estava de medo que fosse hereditário. A professora disse pra eu parar de ser bobo. O exercício faz bem ao coração e ajuda a evitar ataques cardíacos quando a gente fica mais velho. NÃO fumar também. La nunca perdia a oportunidade de dizer como NÃO fumar é ótimo. Segundo ela a probabilidade de eu ter um ataque cardíaco na minha idade é de uma em um milhão. Mas logo apareceu um novo motivo para eu me preocupar . Ela disse que eu estava tendo um ataque agudo de “hipocondria”. Isso deve ser bem pior. Será que vou morrer? Perguntei quais eram os sintomas, mas não adiantou nada. Ela me mandou olhar no dicionário. Acho que vou fazer isso mesmo, se eu não morrer antes.

No outro dia eu ainda estava vivo, ainda não morri de hipocondria. Vai ver não é tão grave quanto eu pensava. Me dirigi à biblioteca atrás de um dicionário, e, enquanto eu procurava o significado do meu problema, o CDF da turma veio perguntar que palavra eu estava procurando. Não queria que ele descobrisse que eu estava com uma doença medonha..., podia ser contagiosa, e ai ninguém ia querer chegar perto de min. Então procurei a palavra “ERÓGENO”. O cedê teimou que sabia o que ela queria dizer, mas ficou todo vermelho por trás dos óculos fundo-de-garrafa quando li em vós alta a definição do dicionário (para deleite dos tarados analfabetos ali presentes, e para vê qual seria a reação da professora de música de 62 anos de idade, que estava cochilando em cima de umas partituras): “área do corpo que provoca excitação sexual, como por exemplo os mamilos, o lóbulo da orelha e a parte de dentro das coxas”.

Voltei para casa pedalando a toda velocidade, para fazer o meu coração bater direito (calculo que estou perto da marca dos 600 milhões de batidas agora). Mas depois fui mais devagar, senão a hipocondria podia piorar.

Meu melhor amigo adorava ir lanchar na minha casa. Na casa dele nunca deixavam ele comer pão, batata frita, bacon com ovos, molho de tomate, biscoito de chocolate e nem tomar Coca-Cola. Talvez minha mãe não fosse tão ruim assim, afinal. Ou vai ver estou com hipocondria porque não me alimento direito. Minha irmã ficava um saco quando meu melhor amigo estava por perto. Ficava puxando papo com ele e não parava de se exibir. Antes ela detestava os meus amigos, mas agora não largava do pé deles. Será que é isso o que os médicos chamam de “PUBERDADE”? Ela não podia ficar só com as meninas? Não que eu quisesse ter uma irmã lésbica, mas eu também so ando com esse amigo e nem por isso a gente é gay.

Tive a maior briga com minha mãe por causa da TV. Perdi, pra variar. Foi a mesma coisa de sempre: a TV força a vista, deixa os olhos vermelhos, deixa você de mau humor, da dor de cabeça, faz você ficar mais violento, transforma você num maníaco sexual (eu disse a ela que já era tarado, o que não ajudou muito). Não recebi o menor apoio da minha irmã... de qualquer forma ainda estou preocupado com A DOENÇA.

Então chegou o GRANDE DIA. Cheguei cedo na escola. Deixei todo mundo espantado, inclusive eu mesmo. Cheguei bem na hora em que o zelador estava abrindo o portão. Ele ficou muito surpreso de me ver naquela hora. Geralmente ele me pegava entrando escondido por trás do galpão das bicicletas, depois do sinal já ter tocado. Costumava dar de cara com um monte de alunos do segundo grau fumando lá. Disse ao zelador que tinha que fazer uma pesquisa na biblioteca. Quando peguei o dicionário, estava com as mãos suando. Comecei a procurar. “HIDROFOBIA – aversão à água, principalmente como sintoma da raiva” Socorro! Isso era outra coisa que eu tinha. Eu não gosto de tomar banho. “HIPNOSE – estado mental semelhante ao sono, em que o indivíduo age apenas por influencia externa.” Comecei a achar que estava com tudo o que estava no dicionário. “HIPOCONDRIA – preocupação excessiva com a própria saúde.” Pô, então era só isso. Eu sou só uma pessoa que tem a preocupação excessiva com a própria saúde. Não tenho nenhuma doença terrível. Que alívio! Bom, na verdade eu tenho que admitir que sou mesmo meio hipocondríaco. Porque, pensando bem, fiquei meio decepcionado porque não estava com nenhuma doença grave. Eu já estava me vendo deitado no hospital, com toda a minha  família, os meus amigos e uma pilha de chocolates e uvas na cabeceira da cama: minha mãe atormentada de angustia por não ter me deixado ver televisão e meu melhor amigo arrependido de não ter me deixado andar na bicicleta dele. Agora entendo como um hipocondríaco pode ser feliz.

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