FÁBULAS ALUCINADAS

A Espantosa Vida Do Homem-Borracha

No meio da floresta amazônica, em uma antiga seringueira, nasceu, naquele dia inaudito, o Homem-Borracha. Na época do nascimento ainda era o Bebê-Borracha, é claro, somente tornando-se o Homem-Borracha após ter sido o Garoto-Borracha.

Apesar de ter vivido toda sua emborrachada existência entre árvores e animais da floresta equatorial, nutria um substancial desejo por conhecer a civilização e seus mistérios fabulosos.

Quando completou a maioridade, o Homem-Borracha transformou-se em um pneu e pegou a estrada em busca de seus sonhos na cidade grande.

Mas a vida não foi fácil na cruel cidade. O Homem-Borracha não era um sujeito de muito estudo e mal sabia ler e escrever.
- Mas eu sou muito flexível! - dizia, na tentativa de encantar algum possível empregador.
- Não tenho medo de trabalho e meus horários são muito elásticos! - tentava argumentar ainda.

Tudo em vão. Ninguém queria o Homem-Borracha, pois os derivados do petróleo substituíam-no na absoluta maioria das aplicações e com menos custo. Seus serviços simplesmente não eram mais requisitados.

Sem dinheiro e envergonhado com a idéia de retornar à floresta com uma mão na frente e outra atrás, o Homem-Borracha passou a aceitar qualquer trabalho, por mais indigno e mal pago que fosse.

Trabalhou como borracha de geladeira, mas logo viu que era uma fria e perdeu aquele magnetismo inicial; trabalhou como limpador de pára-brisa, mas seu estômago fraco não suportou o constante vai-e-vem e abandou seu carro na primeira tempestade; trabalhou como borracha escolar perfumada, mas apavorou-se com a idéia de ser roído diariamente pelas crianças e fugiu da escola; e por fim, trabalhou como sola de sapato, mas não se acostumou com os resíduos fecais que se acumulam pelas ruas e desistiu aos vômitos.

Sem esperança de encontrar um trabalho ao qual se adequasse, tornou-se um indigente e, atirado às sarjetas, vivia da generosidade dos conhecidos e das esmolas dos desconhecidos, o que invariavelmente era bem pouco. Aos que passavam, dizia:
- Dá-me um dinheirinho para eu atar! - imaginando como seria bom se pudesse trabalhar em um banco como elástico de dinheiro.

Já sem vigor, sem esperança e enlouquecido pelos anos de miséria e sofrimento, subiu no mais alto prédio da cidade, montou no parapeito, olhou para a rua lá embaixo e disse:
- Se é minha seiva que essa cidade quer, então é minha seiva que ela terá!

E num impulso, atirou-se.

E enquanto caía, veio, como em um mágico filme, a imagem da família a tanto esquecida em sua torturada mente. Sua mãe seringueira trazendo aqueles sais minerais e aquela água fresca das raízes nos dias de inverno. A alegria que era brincar nas folhas e fazer fotossíntese. As brincadeiras de esconde-esconde com seus irmãos e irmãs nos galhos e tronco.

Tudo aquilo com uma cor e um brilho que há muito já tinha esquecido, e naquele momento, naquela velocidade, deu-se conta do grande erro que havia cometido. O vento em seus ouvidos assoviava sua mortal melodia, enquanto o Homem-Borracha desesperava-se com a vida que perderia de tão ignóbil maneira. Em seu coração disse:
- Se me fosse dada outra chance, muito faria de diferente em minha vida.

Mas não podia crer nessa possibilidade. Somente aguardava o impacto iminente no solo que se aproximava cada vez mais rapidamente e lamentava seu amargo fim.

Porém, para absoluta maravilha dos que presenciaram a cena, o Homem-Borracha havia esquecido de sua elástica natureza. Ao colidir com o solo, ele ricocheteou e foi atirado para os ares como uma bola de tênis, e quando abriu os olhos, encontrava-se novamente no alto do prédio, como se nada tivesse acontecido.

Aos prantos pela felicidade da nova chance concedida, retornou para seu verdadeiro lar. Pouco tempo depois, reuniu todos os seus irmãos e irmãs e montou o circo "A Incrível Família-Borracha". E daquele dia em diante, nunca mais um membro de sua família precisou tentar a sorte na civilização. E todos viveram muito felizes com suas novas ocupações artísticas.

É bem verdade que alguns deles ainda teimam em trabalhar para a humanidade em forma de luvas e preservativos, mas são a minoria.

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