A História de Apenas um Qualquer. Capitulo II

O Amanhecer De Uma Consciência

Nasci ignorante. E minha ignorância era tão profunda que eu a ignorava completamente. Tamanha ausência de conhecimento certamente afetou minha percepção do universo a ponto de extinguir as lembranças dos primeiros meses de minha existência extra-uterina.

Aí residia um problema. Como descrever a minha tenra infância se de nada, ou quase nada, recordava até meus dois anos de idade? A única alternativa que me restava era a aplicação de uma técnica conhecida como hipnose de regressão (ou coisa que o valha). Visto que uma sessão iria custar-me os olhos da cara, decidi eu mesmo me hipnotizar.

Concentrei-me profundamente, e em um silêncio absoluto apliquei em mim os procedimentos que eu havia lido no "Guia Prático do Hipnotizador Amador". Em poucos minutos passei a acessar os registros mnemônicos referentes aos meses subseqüentes ao meu nascimento e a revivê-los.

A bem da verdade, não havia muita coisa por lá. Aparentemente minha rotina era gastar a maior parte do meu tempo dormindo e lutando contra algo estranho que me incomodava de tempos em tempos. Essa estranha aflição fazia com que eu chorasse copiosamente, e por alguma surpreendente razão, ao iniciar meu choro, uma fantástica criatura gigante se aproximava e miraculosamente sanava meu males. Hoje sei que o a desconforto era só fome e que a entidade gigante era a minha mãe alimentando-me. Mesmo assim pareceu-me bastante incrível.

Tal associação entre meu choro e a vinda da bondosa criatura despertou, pela primeira vez, meus instintos investigativos. Comecei então a chorar quando não estava com fome, só para certificar-me de que existia relação entre os eventos.

Ao constatar que eram causa e conseqüência, uma imensa emoção tomou conta de meu pequeno ser. Passei a chorar com uma freqüência cada vez maior, na esperança de repetir os mesmos resultados. E continuei chorando assim por muito tempo. Até minha mãe, depois de alguns meses, começou a me acompanhar na choramingante melodia. Bons tempos aqueles.

Por fim, enjoei da brincadeira e decidi parar de chorar. Recordo-me que meus pais ficaram desesperadamente felizes com a minha decisão também.
E assim transcorreram, em linhas gerais, meus primeiros meses de vida.

A minha regressão havia sido um sucesso total... ou quase.
Constatei um pequeno problema na minha auto-hipnose. Como não havia ninguém para retirar-me de meu hipnótico torpor, fiquei preso numa sucessão de eventos passados até que um fator externo (o telefone) conseguiu distrair-me de meu mundo interior.

Quando, dezessete horas depois, despertei de meu sono hipnótico, percebi que me encontrava deitado no chão do quarto, completamente borrado. E o pior de tudo, e para meu profundo desespero, chupando o dedão do pé.

1 comentário

Anônimo em 5 de janeiro de 2012 às 17:35

lindo esse texto,parabens pelo blog !

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